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Diz-me com quem andas, Presidente Trump…

No início do verão passado, ainda antes das cambalhotas que baralharam a campanha presidencial americana de 2024, do afastamento de Joe Biden, da entrada apressada de Kamala Harris e das convenções de cada partido, chegámos ao 4 de julho de 2024 com uma decisão sobre imunidade presidencial (que tanto pode proteger Trump como, agora, Biden) e a grande incógnita sobre os candidatos incidia no nome que Trump iria escolher para Vice-Presidente.

Depois dos eventos do 6 de janeiro de 2021, o afastamento de Mike Pence em relação ao seu antigo Presidente tornou-se evidente e candidatou-se inclusivamente contra ele, em 2023, numa campanha que não ganhou força, num partido republicano já muitíssimo dominado pelo “trumpismo”.

O escolhido foi um jovem senador do Ohio, J. D. Vance que representava, de muitas formas, o reverso do “Mayor Pete” (Buttigieg) do partido democrata, candidato que brilhou em 2020 (contra Biden, Kamala ou Sanders) e foi escolhido para Secretary of Transportation (ou Ministro dos Transportes) no governo que agora cessou funções. Pete Buttigieg, homossexual, do Indiana (curiosamente o mesmo estado de Mike Pence) teve uma carreira militar, um percurso académico brilhante e triunfou onde menos se esperaria. Ainda é uma das apostas para o futuro do partido democrata, especialmente pela coragem com que enfrenta os seus oponentes no “campo do inimigo” e consegue usar a retórica para obter vitórias em programas da FOX News ou em podcasts mais conservadores. Foi um dos maiores defensores da Administração Biden e representou, logo em 2019/2020, algo que Kamala Harris não conseguiu: ser uma voz “fora da caixa”, invulgar, a apelar à esperança e à mudança, mas pela positiva e com moderação.

O novo Vice-Presidente (“VP”)

Parece-me que J. D. Vance tem vários pontos em comum com Buttigieg. Não só representa uma imagem de futuro do partido republicano, como foi o porta-estandarte e porta-voz da campanha de Trump junto dos meios de comunicação social mais liberais, enfrentando e desafiando os maiores críticos nos seus canais de televisão e espaços de comunicação. Triunfou onde menos se esperava e, mesmo tendo criticado violentamente o Presidente que agora acompanha, soube inverter a tendência e trazer a sua ideologia para o centro da discussão. É, hoje, um VP com maior poder e destaque do que Kamala alguma vez teve antes.

O 50.º veep cresceu numa família pobre e desestruturada, em Middletown, no Ohio, com uma história de vida dura, bonita, que merece ser lida ou vista no livro (adaptado a filme em 2020) Hillbilly Elegy, de 2016. Formou-se em Direito em Yale e, depois do sucesso de vendas daquele livro de memórias (que podemos equiparar aos livros que antecederam a candidatura de Barack Obama – Dreams from My Father: A Story of Race and Inheritance (de 2004) e The Audacity of Hope (de 2008) – também Vance teve uma ascensão muito rápida, sendo eleito senador pelo Ohio em 2022 e escolhido para o ticket presidencial em 2024.

Muito tem sido dito, escrito e discutido sobre a ideologia do novo VP, casado com uma filha de indianos, hindu, Usha Vance, que conheceu na Faculdade de Direito. A nova “segunda-dama” já foi clerk (assistente jurídica mais próxima) de dois juízes do Supremo Tribunal: o Chief Justice John Roberts Jr. e o juiz Brett Kavanaugh, pelo que conhece e domina o sistema judiciário dos EUA.

Focar-me-ia, no entanto, em três pontos reveladores da sua situação atual: (i) uma das primeiras partilhas no instagram da “nova” Casa Branca foi a entrada de J. D. na sala oval, destacando o percurso a partir de origens humildes até àquela “sala dourada” onde tantos se destacaram… é o VP mais novo desde que Nixon o foi para Eisenhower, naquela mesma sala, que acabou a ocupar, como presidente, uma década depois, e onde fez o discurso de despedida, renunciando ao cargo de presidente para Gerald Ford; (ii) este VP jovem tem um longo caminho pela frente e pode perder eleições, pode distanciar-se ou pode receber a presidência nos braços, acompanhando o homem mais velho de sempre a assumir funções presidenciais (Os 78 anos e 220 dias de Trump superam os 78 anos e 61 dias de idade que Biden tinha em 2021) – estar a um “bater do coração da presidência” pode ser muito importante aqui; (iii) Vance não foi inocente no primeiro encontro internacional relevante que teve (enquanto Elon Musk insultava o governo do Reino Unido e apoiava e desapoiava Farage, o que levou Trump a vir elogiar o Primeiro-Ministro britânico, Keir Starmer para proteger a “relação especial” transatlântica), o veep estava a receber Kemi Badenoch, a líder da oposição no Reino Unido, jovem como J.D. e uma das grandes esperanças do partido conservador inglês. Este gesto veio tentar neutralizar a ideia de que os E.U.A. podiam ter algum interesse na desfragmentação do Reino Unido ou no enfraquecimento dos tories e transmitir uma imagem de uma potencial aliança de futuro transatlântica que não parece ter sido escolhida ao acaso (nada o é, pelo novo VP).

O Gabinete, Governo ou Administração

Não é fácil traduzir o nome do conjunto de pessoas que acompanha o Presidente dos EUA, havendo um núcleo duro equiparável aos governos europeus. Falamos da “Administração Trump” ou da “Administração Biden” mais até para nos referirmos a um período de tempo do que uma equipa. Na União Europeia temos a “Comissão Von Der Leyen”, que acaba de assumir funções (com o gigantesco número de 27 comissários – imaginem o que seria coordenar, atribuir pastas ou gerir egos de 27 ministros!).

Ao longo destas semanas, das últimas e das próximas, estão a ser ouvidos no Senado dos EUA, os nomeados pelo Presidente Trump para as várias pastas e para dirigir algumas das principais agências governamentais. Ao contrário do que aconteceu em 2016/17, notou-se uma velocidade e profissionalismo muito maiores e fomos conhecendo, desde novembro de 2024, cada um dos nomes e antecipando as votações que agora estão a ser feitas num processo de vetting que não é o ideal, tendo os republicanos uma maioria de 53 para 47 senadores (e um voto de desempate, do VP).

Contra o que muitos podem pensar, o topo da nova hierarquia governamental americana é mais moderada, tradicional e em linha com o que estivemos habituados e há surpresas e dados a destacar. Não há nada como baixar as expetativas (e Trump escolheu, para algumas pastas, alguns nomes que é muito difícil defender, tendo um deles inclusivamente desistido de se apresentar perante o Senado, tendo circunstâncias muitíssimo questionáveis), mas tentarei dar algum ânimo e procurar luzes, para quem as queira aceitar, depois de um governo Biden que falhou em muitos dos seus objetivos ou dos governos Obama que tiveram o número recorde de deportações e não fecharam Guantanamo (que continua aberta). Sendo que ambos privilegiaram relações económicas com a Ásia em vez da Europa.

Para Secretary of State (uma figura entre um Ministro dos Negócios Estrangeiros e um Primeiro-Ministro, que é o n.º 3/2 do Governo dos EUA), o novo presidente escolheu Marco Rubio, da Florida, que era uma das principais esperanças dos republicanos em 2015 (foi candidato contra Trump) e deverá assegurar muito mais ponderação e equilíbrio nas relações internacionais, em especial com a União Europeia, do que se podia imaginar. As suas posições quanto à Rússia, quanto à segurança nacional, a sua abordagem pragmática dos vários conflitos que se vivem no mundo podem acalmar alguns ânimos.

Já o novo secretary of Treasury (ministro das Finanças, função originalmente de Alexander Hamilton) foi também uma surpresa. Se Pete Buttigieg foi o primeiro homossexual a ocupar um cargo de secretary, Scott Bessent, é o terceiro a fazê-lo nessa condição – e numa posição hierarquicamente muito superior (é a 5.ª figura do Estado americano, depois do Presidente, VP, Speaker, e Secretary of State). Vindo da Carolina do Sul, trabalhava no “Key Square Group” e, antes disso, com George Soros, é um homem com grande experiência em investimentos transnacionais, que, nos seus discursos diz pretender apostar na redução do défice e dependência externa, bem como na estabilidade económica (podia ser o discurso de qualquer centrista europeu). O novo Secretary of Commerce (Ministro do Comércio) alinhou com J. D. Vance e defende a revitalização da indústria americana partilhando objetivos comuns (desburocratização, aposta na competitividade, segurança, defesa, energia e habitação) com a UE, perante uma Ásia robusta e um Sul em crescimento (estes objetivos fazem parte do Relatório Draghi que agora é bússola para a Europa). Howard Lutnick, judeu, de Nova Iorque, ocupará estas funções após anos de trabalho no setor financeiro, com grande perspicácia empresarial (deverá ser conselheiro contra isolacionismos) e uma experiência de vida marcante: estava numa das torres gémeas no dia 11 de setembro de 2001, lá perdeu um irmão e dezenas de colegas e amigos, tendo-se empenhado, ao longo das últimas décadas, no apoio aos sobreviventes.

A coordenar a equipa Trump, está aquela a que chamam “Dama de Gelo” (ou Ice Maiden), Susie Wiles, a quem todos reconhecem uma enorme capacidade de organização e disciplina, técnicas para assegurar trabalho em equipa e gabam a importância que teve na campanha de 2024. Poderá ser a chave para uma Casa Branca mais estável, segura e previsível, o que só melhorará as relações EUA-UE.

O tema mais sensível é o da energia, em que as posições parecem ser divergentes entre a visão europeia (que, ainda assim, parece ir também alterar os seus padrões), tendo sido nomeado como Secretary of Energy, Chris Wright, do Colorado, com grande experiência no setor, mas opiniões muito diferentes das dos líderes da UE. O “chão comum” poderá ser a aposta na inovação energética, no nuclear e no desenvolvimento de novas tecnologias (inclusivamente para energias renováveis). Na mesma linha, apesar de tudo mais drill, baby, drill do que gostaríamos, o nomeado para Diretor da Agência de Proteção Ambiental, Lee Zeldin, pretende proteger as empresas e aliviá-las da regulação energética…

Em termos internacionais, a nova Embaixadora na ONU é Elise Stefanik, de Nova Iorque, muito favorável a Israel, mas já veio fazer discursos fortes de defesa não só da segurança internacional, mas também dos direitos humanos e acredita haver desafios globais comuns aos EUA e Europa. Já o novo Secretary of Defense, Pete Hegseth, vivia no Tennessee e na TV (FOX News), tendo um passado questionável a vários títulos e um currículo que não o parece preparar para estas funções… cabe seguramente no grupo dos nomeados mais difíceis de defender (e é “ministro da defesa”, quase a tentar o trava-línguas!). Veio afirmar querer “restaurar o espírito guerreiro”, ter forças armadas mais fortes e assegurar a dissuasão com o poder dos exércitos. Apesar de tudo, pode ser o “idiota útil” e da sua posição saírem objetivos comuns à UE.

Como Procuradora-Geral foi nomeada Pam Bondi, da Florida, depois de uma primeira nomeação desastrosa. Esta Procuradora foi agressiva na aplicação da lei na Florida e já afirmou pretender reforçar a cooperação jurídica e judicial, o que poderá ser crucial num ano em que, na Europa, essa é uma das apostas, com a criação da Agência Antibranqueamento de Capitais que deverá trabalhar com os EUA regularmente contra a criminalidade económico-financeira, financiamento do terrorismo, entre outros.

Destacando apenas uns nomes finais, refira-se uns polémicos: o de Robert F. Kennedy Jr., que já veio ao Senado negar todas as afirmações prévias anti-vacinas ou sobre medicamentos, moderando a sua posição e repetindo as auto-negações… não se esqueça de que cresceu no partido democrata e se espera que, por isso, vá moderar também as posições do presidente em outros temas; também Elon Musk, responsável por um novo departamento de aumento de eficiência tem muitos negócios na Europa e partilha interesses económicos quanto à corrida espacial ou à corrida à inteligência artificial (contra a Ásia em especial) que poderão ajudar a alinhar os interesses dele, dos EUA e da UE; por fim, do filho mais velho, Don Jr., agora focado na comunicação social, empresas do pai e comércio e cooperação económica à filha mais velha, Ivanka Trump, que muitos dizem ter-se afastado do pai para ganhar balanço para os seus próprios voos políticos, depois de, no primeiro mandato, ter sido essencial a construir pontes com diversos países, incluindo os europeus, pelo que a sua experiência e posição continuará a ser relevante.

Os primeiros sinais de oposição interna

Apenas três dias depois da sua tomada de posse, o Presidente Trump conheceu os primeiros oponentes do “seu lado da barricada”. O velho senador Mitch McConnell (líder da maioria republicana até 2024) juntou-se às senadoras Lisa Murkowski (do Alasca) e Susan Collins (do Maine), todos republicanos, e votaram contra a confirmação do novo Ministro da Defesa (Hegseth), que passou numa apertada votação de 51/50, sendo chamado o veep J. D. Vance para vir votar e desempatar. No entanto, há mais senadores republicanos que podem juntar-se aos outros e chumbar nomeados ou impedir que determinadas políticas entrem em vigor.

Com maior impacto, o Juiz John C. Coughenour, nomeado pelo Presidente republicano Ronald Reagan, em 1981, decidiu suspender a “ordem executiva” que impedia a aquisição de cidadania americana por quem nascesse nos EUA, considerando aquela medida inconstitucional (algo que a grande maioria dos juristas tem defendido).

Vamos ver como tudo evolui, mas, como vimos, na equipa Trump, há pessoas que podem “moderá-lo”, “centrá-lo” ou “aproximá-lo” dos interesses europeus e até mais progressistas (conseguiram-se algumas conquistas deste tipo durante mandatos republicanos) e, como se nota nestas votações mais apertadas, mas principalmente em chumbos em tribunal, algumas barreiras começaram a levantar-se.

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